terça-feira, 26 de setembro de 2017

Mãe! - O filme que vai me assombrar para o resto da vida, ou assim espero. (SPOILERS)

Eu tenho um hábito de ir ao cinema sozinha. Gosto da sensação de encontrar um filme e horário que seja só meu, sem ter que fazer sala e me distrair com amigos. Na minha opinião cinema sozinha e cinema com amigos são dois eventos diferentes (não que prefira um ao outro, mas procuro manter os dois em minha vida). Estava já curiosa sobre o filme "Mãe!" e resolvi ir hoje, sozinha, apreciá-lo. E fui brutalmente impactada, de forma indelével ou, ao menos, é o que parece no momento. (Acho importante relatar que estou escrevendo esse texto meia hora após assistir o filme, tratam-se de primeiras impressões. O filme é aberto a interpretações, e aqui vão as minhas.

Darren Aronofsky retrata em "Mãe!" o processo criativo de um artista.

Através de fotografias cruas, som totalmente realista e imagens surreais o filme inicia com a ideia. O artista cuidadosamente posiciona a centelha inicial de sua obra e ela - a inspiração - acorda.

Daí pra frente, tudo que vemos é pela perspectiva dela - mãe/ inspiração/ amor. Todos que criamos, sabemos da dor que é um processo criativo. Inicialmente são as pequenas inconveniências. O bloqueio, a dificuldade de concentração e inabilidade de finalizar coisas. Não conseguimos cumprir nossa metas... Um inferno. Até que, algum fato impactante desencadeia uma produção repentina (as vezes é o prazo, as vezes é uma pressão externa, outras vezes, interna). Na minha leitura do filme, essa etapa do processo criativo foi retratada pela gestação. Daí pra frente, nossa obra começa a tomar corpo e se aproxima do fim. as incomodações já não tem o mesmo efeito e tudo que queremos é lapidar e preparar o publico alvo para receber um pedacinho da nossa vida. (Porque sim, o artista doa de si a cada obra, não tenham dúvida.). 

Até essa parte do filme eu estava em crise sobre as possíveis interpretações. A brutalidade das cenas e dos diálogos gera uma tensão constante que me deixou paralisada, num limiar entre vivenciar aquelas experiências e resistir me deixar tocar por elas. Mas aí com uma frase tudo mudou:

O poeta diz à sua esposa que o poema está pronto. Ela lê, aprova, se emociona e pergunta:

Eu vou te perder?

E daí pra frente o que acontece é a alienação da "obra". Retratada de forma brutal (eu vou usar essa palavra muitas vezes porque não consigo sinônimo que tenha esse mesmo efeito). Porque quando o artista lança sua obra ao púbico ele a destrói. Quando o artista abre sua obra ao público ela se torna não mais do artista e sim do público. O público distorce, se apropria, interpreta. Esse processo é extremamente doloroso. E durante a cena em que a multidão que invadiu a casa matou o bebê dela e começou a se alimentar dele a história de Aronovsky já era minha. A brutalidade daquele texto sendo repetido (aquele que o poeta fala durante o velório do filho da outra mulher). Quase vomitei nessa hora. Muito forte, muito pesado e, ainda assim, muito real.

Segue-se a destruição, até que ela mesma, a inspiração se destrói e destrói tudo.

- Eu te amo - diz o poeta.
- Você ama o meu amor por você - diz a inspiração e pergunta - Por quê tudo que eu te dei não foi suficiente?
- Porque nunca é. Eu preciso sempre criar mais.

Num último suspiro o poeta retira o coração da mulher/mãe/inspiração e lá dentro está a centelha inicial, um diamante bruto. Posiciona novamente no devido lugar e tudo recomeça, imitando o ciclo da vida: a dialética da criação.


Ainda estou sem fôlego. Vamos compartilhar as interpretações? Deixe a sua nos comentários.


Deixo aqui dois links com as metáforas bíblicas presentes no filme. Ele é, sem dúvidas, sobre o ciclo da criação, porém na hora que eu assisti só consegui pensar no processo artístico. Peguei algumas das metáforas (a do Caim e Abel, a do fogo), mas aí tem bem mais explicações.


https://www.youtube.com/watch?v=xYiYEYngzxA


https://www.youtube.com/watch?time_continue=1&v=I05y2Ygwyls