quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Fingertips

Ela sentiu a mão acariciando seus cabelos e não precisou abrir os olhos para saber que os dedos eram dele.

Respirou fundo e não conseguiu conter um sorriso. Ficou com medo que ele pudesse perceber o coração acelerando. Desde que o telefone havia tocado, horas antes, convidando para aquele churrasco, ela sabia no que aquilo podia resultar...

Fazia quase dez anos que não podiam se falar e olhar e tocar. A vida lhes tinha apresentado muitos obstáculos. Foram deixando passar.
Naquele mês as ciscuntâncias os aproximaram. Estavam, desde o primeiro momento em que se viram, reprimindo o impulso de se abraçar e tocar e cheirar. Ela principalmente, queria respeitar seu instinto de auto-preservação e negar peremptoriamente o que estava sentindo. Entretanto, o acontecido na última festa, um beijo sem aviso, controle ou explicação, havia lhe tirado o sono e o fôlego durante muitas noites da semana.

Seu instinto não deixou com que se surpreendesse ao ver o nome dele na chamada do celular naquele dia. Enquanto ele explicava sobre a nova casa e o churrasco arquitetado pelos amigos, ela ponderava se iria ou não aceitar o convite, porque sabia que a partir do momento em que dissesse "sim" a caixa de pandora estaria aberta e não haveria como voltar.

Aceitou.

Levou algum tempo escolhendo uma roupa que, ao mesmo tempo fosse bonita e não denotasse suas verdadeiras intenções. Era conhecida por ser "casual e despojada", jamais feriria sua reputação. No horário combinado, os amigos vieram lhe buscar e, conforme o esperado, elogiaram suas roupas, seu estilo de vida, seu gosto musical, tudo aquilo com que já estava habituada.

Ela conseguiu durante toda a noite ficar longe do olhar e do toque. De tudo que, sabia, não poderia fugir. Contudo, no momento em que decidiu ir dormir, pressentiu os movimentos e olhares dele. Quando chegou a tocá-la, primeiro acariciando seus cabelos e depois o rosto, ela já estava esperando. Decidiu então, que não havia nem como e nem porque negar o que estava acontecendo entre os dois. Todo o magnetismo entre eles era único e um sentimento raro nos dias de hoje. Abriu os olhos, olhou fundo nos dele e não precisou dizer nada para que ele entendesse que ela estava finalmente se abrindo. Toda a privação dos dez anos que precederam aquele momento estava se concretizando. Era possivel dizer que a atmosfera ao redor compartilhava o momento alterando pressão, cor, som, temperatura.
Durante muito tempo, o mundo fez sentido. Não havia antes nem depois. Porquê ou quando. Só aquele momento. Ela foi feliz como há muito não era.

Horas depois não precisou abrir os olhos para sentir que aquela atmosfera mágica havia desvanecido, apesar de os dedos dele ainda lhe estarem acariciando a barriga. Repirou fundo, sorriu e disse com a voz rouca de sono "Tenho que ir".

Os dois morcegaram junto um pouco, colocaram a roupa e ele foi, gentilmente, levá-la ao seu destino: a vida real.

Na despedida, abraçaram-se e respiraram fundo, ambos tentando capturar a essência um do outro. Como se pudessem esquecer aquele cheiro resultante do contato dos dois.

"Nos falamos quando der..."

Chegou em casa, trocou de roupa, colocou as polainas vermelhas, pois havia esfriado muito naquela tarde. Saiu contabilizando os afazeres pendentes, tentando pensar.

Mas era tarde demais,
a caixa estava aberta...

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

A atitude

Ele parecia um personagem do Fellini, saído direto de juventude transviada.

Vinte anos, jaqueta de couro com jeans. Cigarro red, acompanhado por aquela atitude. Aquela que só temos aos vinte anos, quando o mundo é um mistério, uma droga, uma merda, um espelho. Um lugar estranho onde não conseguimos nos ajustar e nem queremos.

Tinha aqueles olhos azuis, inquisidores. E, claro, ele tinha uma banda.

Por ser mais novo, ele exercia aquele encanto. Aquele “quê” a mais. E, por alguma razão misteriosa, me incomodava muito ser mais velha que ele. Porque ele tinha que ser acolhedor e protetor. Ele tinha que ser o cara pra alguém. Mas, pra mim, ele sempre seria o carinha mais novo. Alguém pra ensinar.

Contudo, a primeira surpresa foi quando ele chegou pra me beijar, sem avisos ou hesitação, e me pegou de um jeito que não deu pra recuar, nem pensar se era certo ou errado, bom ou ruim. Só tinha que ser e ponto. E assim aquele menino, foi, aos meus olhos se tornando um homem. A experiência com narcóticos (que eu não tenho nenhuma). A desenvoltura musical. O jeito de tentar compensar a pouca idade sendo protetor, cavalheiro e romântico. E me fez reviver... Reaprender algumas coisas.

Me fez acreditar novamente no romantismo. Nos sonhos e projetos. No número dois. Não porque tenhamos feito quaisquer planos ou projetos e nem mesmo falado no depois. Simplesmente, por não falarmos e nem sequer pensarmos. Não pensamos nas possibilidades. Em nada. Só aproveitamos nossos momentos, o mais romanticamente que se podia ser. Gostoso, leve, cheio de encanto. Como uma brisa que sentimos no rosto aos vinte anos. Como uma canção. Um vento no litoral.