terça-feira, 23 de junho de 2009

3ªº

Todos os olhares eram pra eles.
Eles que são geniais: o motivo pelo qual ela acordava cedo pra ir pra escola. O motivo pelo qual ela se arrumava pra ir pra escola. O cabelo, nunca estava bom. As malditas espinhas.

Era muito inteligente. Não muito bonita.
E aquele rapaz, contrariando toda lógica, a interessava.
Ele talvez não fosse o mais bonito. Com certeza não era inteligente. E não era burro. É indizível o que atrai nele. As melhores piadas, as melhores idéias. É aquele cara que move o terceirão. Ele conduz as tendências do colégio. E que a fazia suspirar e sonhar...
Embrulhada em seus pensamentos, ela praticamente não enxergava a festa. A música e as bandeirinhas se confundiam. Não sabia quanto tempo ainda ia ter que ficar ali.

***

De longe, ela observa os jovens. Percebe o olhar interessado, de uma menina retraída, no "galã" do Terceirão. Lembra-se de seu tempo de colégio. E de como todas as projeções e antigos interesses acabaram se tornando decepções. Na época não era uma menina interessante. Hoje, ao olhar pra trás, percebe como aquelas meninas, que tinham toda a atenção do colégio, que eram lindas e poderosas e populares, estão acabadas. Como se o tempo delas tivesse passado. Talvez não tivessem ainda maturidade para lidar com aquele tipo de popularidade. Acabaram se degradando. Hoje, não se sabia mais notícias boas de nenhuma dessas suas colegas. "Lamentável" - pensou ela...

Ela teme.
Sabe que seu tempo também vai passar.
Se pergunta se ela vai conseguir manter o brio da vida, sem sua beleza e jovialidade.

Um garoto visivelmente desajustado passa por ela interrompendo seu pensamento. A moça não consegue controlar seus julgamentos. Toda a festa é um retrato de seu segundo grau, só que atualizada. Os mesmos recadinhos constrangedores. As mesmas piadas, as mesmas brincadeiras de mau gosto. O cheiro de quentão embrulha o seu estômago. Instintivamente, vai procurar o banheiro.

***

Num canto, ela estranha o olhar de uma moça que está sozinha ao lado da barraca do quentão.
Repentinamente se empertiga ao ouvir o anúncio: "15 minutos para a quadrilha do terceirão" a mais aguardada da noite...

Seus olhos se recusam a enxergar. Ele está realmente interessado na menina mais idiota do mundo. O recadinho vem com uma bomba. "Amanda 302, te amamos. Assinado, todos os meninos do terceirão". Amanda ri, um sorriso bonito, seus dentes perfeitos. Instantâneamente desfere tapinhas faniquitosos nele. Os dois sorriem.

Enojada pela cena patética, procura um refúgio. Precisa sair dali.

***

Ao caminho do banheiro, pára ao ouvir o anúncio. "Vai começar a quadrilha do terceirão".
Sua curiosidade é mais forte. Ela quer ver se os tempos realmente mudaram. A dança começa, e ela admite. Eles são os mais criativos. São bonitos, descolados. Absurdamente engraçados. Não consegue conter o riso diante da encenação do casamento jeca. "Típico" pensa. Típico, porém, engraçado.
O cheiro do quentão e as lembranças do seu terceirão renovam sua vontade de ir procurar o banheiro.

***

Chegando ao banheiro ela é interrompida pela menina retraída que entra correndo, olhos marejados. Ouve o estampido da porta batendo e o choro convulsivo que flui como uma avalanche. Ela sabe extamente o que deve ter acontecido. Sente vontade de abrir a porta e falar pra menina que ele não vale a pena. Que alguns anos depois, quando ele estiver mais velho, vai enjoar dessas meninas fúteis e procurar meninas como ela. Que possivelmente ela ainda ia ficar com ele e ia descobrir que ele beijava mal, que ela era burro, desinteressante. E que a beleza dele ia durar muito pouco. Que aquela menina, que hoje era tão popular, ia perder o brio. Sente vontade de dizer o quanto a menina é linda. Que com certeza ela ia encontrar vários amores, que realmente a merecessem. E que esses também causariam algumas decepções.
A moça contém todos esses impulsos e sorri. Com os olhos cheios d'água, se olha no espelho e reconhece sua expressão, tão mais endurecida. "Quase amarga, agridoce talvez".
Sente saudades daquela menina chorando no banheiro.
De novo, sorri.
"Vai passar... vai passar..."

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Ah... o inverno...


Eis que chegou, assim de mansinho.

Fomos desentocando os casacos, tecendo cachecóis.
Alugando filmes, comprando vinhos.

O friozinho amigo vem pra reunir as pessoas.
Assim, espero você ao meu lado.
"quero que você me aqueça nesse inverno"

Curtindo toda a magia do sol, que no inverno é uma delícia.
Toda a fofura dos cobertores.
O cheirinho da sopa.
A fumacinha do chá.
O café cremoso, o chocolate quente.

E, nem tudo é perfeito...
Tem que levantar da cama quente de manhã cedo.
Tem que passar frio pra sair do banho.

Tem que ter alguém pra esquentar o pé debaixo das cobertas.

Quero que você me aqueça nesse inverno...
Pelo menos nesse inverno...

E quanto aos próximos invernos, a gente vê depois...
Afinal, tem uma primavera e um verão, e ainda um outono pra rolar, antes que ele chegue...

quinta-feira, 18 de junho de 2009

os melhores

Tínhamos um sonho.
Construímos uma vida em pensamento.
Projetamos tudo que queríamos em nós mesmos e uns nos outros.
Eramos um casal, mas não ligávamos pra tudo que era clichê.
Nós éramos melhores que todo o mundo. Melhor que a dona de casa, melhor que a pedagoga normal, melhor que o advogado, melhor que os metaleiros.
Nos achávamos superiores a tudo isso. Estávamos de passagem na vida, com a cabeça na janelinha do trem. O vento batia nos cabelos longos. Nossa aparência não importava realmente. O mundo podia pensar o que quisesse.
Nos amávamos.
Acima de tudo, nos respeitávamos.

Só que não.
as projeções demoraram pra acontecer...
ninguém consegue conviver com um projeto frustrado.
não, eu não era tudo aquilo que prometia ser...
não, tudo aquilo não era suficiente pra mim.

NÃO. Não éramos melhores que todo mundo. Éramos como todo mundo. Normais. Talvez piores, por nos julgarmos superiores. Acabamos aceitando a vida como ela era. Trabalho, filhos, casamento. Todas as coisas que desdenhávamos.

"Quem pode me culpar por querer mais.
Mais do que a magia momentanea de uma cerimônia.
Quem pode me culpar por querer realmente ser melhor.
Não melhor que os outros, mas melhor do que eu mesma."

E tudo ruiu...
projetávamos um no outro as frustrações do dia-a-dia.
acabaríamos por nos odiar mutuamente e a nós mesmos
por nos permitir a dor de sermos só normais.
E não melhores.